Lívia Fernanda Guimaraes Giovanini, 1º ano EM
Sou um idoso morador de uma pequena cidade do interior de São Paulo chamada Marinópolis. Lugar de pouca gente e onde sempre se sugere que a vida é leve, de brisa no rosto com varandas e portas sem trancar ao longo da noite, em que os cumprimentos acompanhados de sorrisos são comuns ao longo do dia, porém, mesmo aqui, a vida ainda pode ser amarga.
Já passei por quase tudo no decorrer da minha longa trajetória ou, pelo menos, pensei que tivesse passado. No entanto aqui estou, sentado neste banco, sem perspectivas, sem sonhos e esperanças, ouvindo murmúrios, mas sem me atentar a eles.
Acredito que sempre teremos inimigos, mas o pior deles é a morte. “É a única certeza”, dizem as pessoas. “A ordem natural da vida é nascer, envelhecer e morrer”. Mas, mesmo sendo um idoso, para a família a despedida sempre será difícil. Se deparar com alguém que ama em um caixão é a coisa mais horrenda que alguém pode enfrentar. Mais terrível ainda quando a ordem “natural” está invertida e esta morte ocorre de forma brusca, violenta e inesperada.
E cidade pequena é assim… Todos se conhecem. Ou é da família, ou é amigo, ou é “conhecido”. Aqui em Marinópolis não é diferente. Por isso mesmo, quando algo sai da rotina, principalmente se for uma notícia ruim, a situação logo se espalha como fogo em palha seca avivado pelo vento.
Loira, bela, sorriso brilhante e um olhar reluzente. Esta foi a menina que peguei em meus braços quando nasceu, que vi crescer correndo pela rua, que me confiou o papel de “avô amigo”. Nascida na mesma rua, filha de amigos próximos e queridos. “A menininha dos olhos de Deus”, como eu costumava lhe falar todos os dias. Tornou-se uma moça responsável, educadíssima, religiosa.
Já passei por muitos dias tristes, passei por momentos difíceis, mas creio que nunca poderei explicar a dor que estou sentindo dentro de mim no exato momento. Mas acredito que nenhuma dor é em vão. Com ela se aprende muitas coisas. Aprende-se a amar com mais intensidade e a entregar-se à vida com todas as tônicas que ela merece.
Agora entendo a necessidade de viver cada dia como se fosse o último. Sorrir, aproveitar, estar do lado de quem ama… A vida é realmente um sopro! O amanhã pode não existir. O passado é uma dádiva, o futuro um sonho, mas o presente, ah, esse o nome mesmo já diz, este é um presente.
Um dia você almoça com sua família e no outro alguém pode faltar àquela mesa. Um dia você é jovem, faz planos, sonha em ter uma linda família, planeja seu casamento, escolhe o vestido de noiva dos sonhos para estar ao lado de seu amado, e no outro você simplesmente não está mais lá. Assim aconteceu com minha menina… Um trágico acidente que ceifou sua vida! Saudade só é bonita na poesia, na vida real ela arde.
A notícia ruim chegou logo e se espalhou rápido.
Agora estou aqui, em um banco duro e gelado de velório, do lado de fora, pois ainda não tive coragem de entrar para despedir da minha menina.
Todos os sonhos de uma família foram destruídos. Minha querida, ontem à tarde, a caminho de seu trabalho na cidade vizinha, chamada Mesópolis, sofreu um grave acidente de carro. Morreu no local levando consigo um pedaço de todos nós.
Não consigo me levantar. Pessoas falam comigo e não as escuto. Penso nos sonhos dela… Estava noiva! Tudo organizado… Casa mobilhada, casamento marcado para o mês que vem. Buffet, padrinhos, cerimonialista… Tudo conquistado com muito esforço e do jeito que ela queria. O vestido de noiva… Mostrou-me fotos dele. Lindo!!! Igual a ela. Era seu sonho vesti-lo.
Olho para os lados e tento adivinhar o que todas estas pessoas estão sentindo. O que veem dentro daquele caixão além de uma linda jovem cujo sonhos foram interrompidos.
Como tudo na cidade, o velório também é bem pequeno. Todos que entram saem de rosto lavado em lágrimas ou orvalhados. Decido adiar… Falta-me coragem. A verdade é que ainda não acredito. Não me conformo.
Já quase sem forças e com meus olhos consumidos pelas amarguras da situação, percebo que minha teologia cai por terra na hora da minha fragilidade e continuo tentando acreditar que aquilo não era real.
Como reagir? O que dizer aos pais? O que dizer ao noivo… Um filme passa pela minha cabeça. Aquele sorriso banguelo correndo pela casa, crescendo menina moça e me confidenciando que seu maior sonho seria casar-se com um vestido de noiva. Não terá tal oportunidade. Como minha amiga me fará falta… Quantas saudades sentirei.
Meu fraco coração está agora disparado. Com dificuldade levanto-me. As pernas bambas, por conta da idade e da situação. As lágrimas ainda presas dentro da represa que eu mesmo criei. O caixão a alguns metros de distância. Crio coragem. Continuo caminhando em direção a minha menina. Ela gostava de me fazer sorrir e agora… A represa dentro de mim… Totalmente aberta! Dou pequenos passos e me aproximo. Ela queria o “vozinho” sempre feliz. Que ironia. E eu a pedia para que não chorasse em meu enterro.
Limpo minhas lágrimas com as mãos grossas, herança de tanto trabalho na roça. Quando a vejo uma dor ainda maior invade a minha alma. Olho novamente. Pego a sua mãozinha pequena, agora sem cor e sem vida, tão diferente de outrora. Dou-lhe um beijo na testa. Ela está linda! Linda em seu tão sonhado vestido de noiva porque… Sonhos não morrem jamais!
Aluna: Lívia Fernanda Guimaraes Giovanini, 1º ano EM .
Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro-SP
EE Antonio Marin Cruz-Marinópolis-SP
Diretor: Luciano Féboli
Prof. Elaine Pomaro
Sala de Leitura: Maria Sonia G. Giovanini
Diretoria de Ensino Jales-SP